Eventual cassação do mandato Glauber Braga(Psol-RJ), que a Câmara dos Deputados está inclinada a aprovar, representará, se concretizada, uma medida inédita. Será a primeira vez que um deputado sofrerá essa punição por ter cometido uma agressão física.
Em abril de 2024, Glauber chutou e empurrou um membro do Movimento Brasil Livre (MBL), nas dependências da Câmara dos Deputados. Nas redes sociais, o ativista tem várias publicações em que provoca políticos de esquerda e jornalistas.
O Conselho de Ética da Câmara recomendou na quarta-feira (9), por 13 votos a 5, a cassação do mandato do parlamentar, que, no mesmo dia, iniciou uma greve de fome na sala onde ocorreu a votação. A decisão final é do plenário da Casa, mas ainda não há data para que isso ocorra.
Socos, chute, pisão no pé e violência doméstica
A história da Câmara é repleta de casos de violência que jamais resultaram em perda de mandato — desde socos desferidos por um parlamentar no rosto de uma colega dentro do plenário, em 1991, até episódios recentes que mencionam chutes, soco na barriga, pisão no pé e violência doméstica.
O deputado Delegado Da Cunha (PP-SP), por exemplo, recebeu do Conselho de Ética da Câmara apenas uma advertência verbal em 2021 em decorrência de vídeo que sugere ter havido agressão física contra a então companheira.
Na sessão do conselho que aplicou a punição branda, parlamentares argumentaram que não caberia ao órgão se imiscuir em temas relativos a violência doméstica.
“Nós temos mais de duas dúzias de deputados federais que respondem por desentendimento doméstico na Casa. Se nós formos trazer todos esses casos a investigações profundas neste Conselho de Ética, antecipar o trabalho da polícia e da Justiça, embora exista o princípio da independência das instâncias, nós teremos que chamar aqui, então, a [apresentadora] Sonia Abrão para presidir a sessão, e aqui viraria um conselho de casos de família”, disse o deputado Alexandre Leite (União Brasil-SP).
Um dos episódios mais marcantes de agressão física praticada por um deputado ocorreu em 1991 dentro do plenário da Câmara.
No fim da tarde daquele dia, a deputada Raquel Cândido (PRN-RO), que vinha insinuando o envolvimento de Nobel Moura (PTB-RO) com o narcotráfico, afirmou que o colega de bancada vivia do lenocínio (exploração da prostituição). Nesse momento, postado ao lado da colega, Nobel desferiu dois socos em direção à deputada, atingindo seu rosto. Raquel acabou tombando na primeira fileira de cadeiras do plenário.
A Câmara jamais aplicou punição a Nobel, que, momentos após a agressão, disse não ter batido em uma mulher, mas em uma “prostituta”.
Nobel Moura acabou tendo o mandato cassado dois anos e meio depois, mas pela suspeita de ter trocado de partido mediante propina.
Bolsonaro negou soco em Randolfe
A lista de agressões é extensa e envolve deputado que depois viraria ministro — Geddel Vieira Lima (MDB-BA) abriu com um soco o supercílio do colega José Falcão (PFL-BA) durante uma discussão no Congresso em 1992 — e até ex-presidente da República.
Em 2013, durante um empurra-empurra na entrada do prédio em que funcionou o DOI-Codi no Rio, o então deputado Jair Bolsonaro apareceu em vídeo fazendo um movimento que aparentava ser um soco na barriga do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).
O Conselho de Ética livrou à época futuro presidente, sob o argumento de que o vídeo não deixava claro ter havido soco. Bolsonaro negou a agressão.
Mais recentemente, em 2001, o próprio relator que recomendou a cassação de Glauber, Paulo Magalhães (União Brasil-BA), agrediu um escritor que lançava na Câmara um livro com acusações contra o tio do parlamentar, Antonio Carlos Magalhães.
Corrupção é principal causa
Dos 21 deputados que perderam o mandato por decisão do plenário desde a redemocratização, a maioria, 16, teve como motivação a suspeita de corrupção. Outros três, assassinato.
Os dois restantes tiveram como justificativa formal a falsificação de documentos.
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O caso de Glauber destoa também por contrariar o histórico de leniência e corporativismo do Conselho de Ética.
Casos de suspeita corrupção, por exemplo, normalmente são engavetados.
Em 2019, Wilson Santiago (Republicanos-PB) teve o mandato suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nas investigações de desvio de verbas de obras contra a seca no sertão da Paraíba.
O plenário da Câmara derrubou a decisão do tribunal sob o argumento de que era questão a ser resolvida pelo Conselho de Ética. O processo, porém, foi engavetado pela Mesa Diretora e só chegou ao conselho em 2022, sendo arquivado meses depois, no fim da legislatura, sem nenhuma deliberação.
A exceção ao viés corporativo do órgão ocorre porque Glauber tem atuação parlamentar marcada pelo confronto com colegas, o que lhe rendeu a antipatia de boa parte deles. Ele foi, por exemplo, um dos principais críticos de Arthur Lira (PP-AL) e atribui ao ex-presidente da Casa a articulação para lhe retirar o mandato. Lira nega.
Fonte: Globo