IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – Ao celebrar os 79 anos da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, o presidente Vladimir Putin disse que a Rússia está pronta para um novo conflito mundial –agora nuclear, potencialmente apocalíptico, contra seus antigos aliados do Ocidente.
Chamando de “arrogantes” as elites ocidentais que apoiam a Ucrânia contra a invasão russa iniciada em 2022, Putin disse que “sabemos para onde a exorbitância dessas ambições leva”.
“A Rússia fará tudo para evitar um conflito global, mas, ao mesmo tempo, não permitiremos que ninguém nos ameace. Nossas forças estratégicas estão sempre em estado de prontidão de combate.”
Ele se referia às cerca de 1.600 ogivas nucleares que estão, a exemplo das americanas, prontas para serem disparadas a qualquer momento, como definido no moribundo Novo Start, o último acordo de controle das armas que podem destruir o mundo, o qual a Rússia abandonou em 2023.
A fala ocorreu na praça Vermelha, onde o russo presidiu o desfile do Dia da Vitória. A União Soviética, Estado dissolvido em 1991 do qual a Rússia era o principal dos seus 15 componentes, foi central para a derrota dos nazistas em 1945.
Foi o país que mais sofreu baixas, com 27 milhões dos talvez 70 milhões de mortos na guerra. A rendição alemã foi às 23h01 do dia 8 de maio de 1945, quando já era 0h01 do dia 9 em Moscou –daí a celebração russa ser nesse dia.
O discurso retoma a belicosidade de Putin após uma fala moderada durante sua quinta posse como presidente, na terça (7). Ali, disse que está pronto para dialogar com o Ocidente, desde que seja em termos iguais, ressalve-se.
A Guerra da Ucrânia ameaça colocar frente a frente forças que estavam unidas quando os soviéticos foram traídos pelos nazistas e atacados, em 1941. A diferença é que há mais de 12 mil ogivas nucleares no mundo, 90% nas mãos russas e americanas e o resto, dividido entre aliados das duas potências, além dos neutros Índia e do Paquistão.
Na segunda (6), Putin havia ordenado exercícios com armas nucleares táticas, que teoricamente servem para fins militares limitados, em resposta à sugestão feita pela França de enviar tropas para auxiliar Kiev. “Não há nada de inusual nisso”, disse o russo nesta quinta. Até aqui, o Ocidente gastou mais de R$ 1,2 trilhão em ajuda militar, mas evita envolvimento direto.
O Kremlin também ameaçou diretamente atacar alvos militares do Reino Unido, caso mísseis cedidos à Ucrânia sejam usados contra território russo. Como lembrança desse risco, nesta mesma quinta Kiev atacou com drones, mas de sua fabricação, a região russa de Krasnodar.
O presidente russo fez as usuais comparações históricas, criticadas duramente no Ocidente. “Celebramos esse Dia da Vitória no contexto da operação militar especial”, disse, retomando o eufemismo russo para a guerra, “e honramos os nossos mortos pelos neonazistas” –a acusação padrão sobre o governo de Volodimir Zelenski.
O russo considera a guerra um embate existencial entre a Rússia e o Ocidente, com a Ucrânia sendo um campo de batalha por procuração. Desde 2007, Putin denuncia a expansão da Otan [aliança militar liderada pelos EUA] sobre a antiga esfera soviética como uma traição.
Em 2014, anexou a Crimeia e fomentou a guerra civil no leste ucraniano para evitar que um novo governo pró-Ocidente em Kiev adentrasse na Otan ou na União Europeia. O impasse desembocou na crise aguda da invasão de 2022, vista no Ocidente como uma aventura imperial.
“Hoje vemos como eles [os ocidentais] tentam distorcer a verdade sobre a Grande Guerra Patriótica [nome russo para o conflito encerrado em 1945. Revanchismo, abuso da história e uma tentativa de justificar os atuais seguidores do nazismo são parte de uma política geral das elites ocidentais para provocar novos conflitos regionais”, afirmou.
Em campo, Putin não tinha nenhum troféu novo a apresentar, apesar do momento favorável de avanço russo no leste ucraniano, após o fracasso inicial em tomar Kiev no começo da guerra e os reveses seguintes.
Nesta quinta, forças russas voltaram a bombardear a rede energética ucraniana, desabilitando as centrais de distribuição de duas hidroelétricas do país, que está sob constantes blecautes.
O clima em Moscou, que alternava sol e uma rara neve de maio, estava soturno como a fala do líder, com neve e temperaturas cercando o zero grau. O desfile deste ano foi maior do que o do ano passado, com 9.000 soldados e a presença de aviões de combate em formação.
Um lançador de míssil intercontinental Iars, tradicional presença no evento, passou pela praça Vermelha, anunciado na TV estatal como tendo “a capacidade garantida de atingir um alvo em qualquer ponto do globo”, uma lembrança acerca da materialidade dos riscos de uma Terceira Guerra Mundial.
Ainda assim, o desfile não fez sombra a edições anteriores, como a de 2020. Num reflexo do emprego das forças russas na Ucrânia, apenas um histórico tanque da Segunda Guerra, o icônico T-34, desfilou. Previsivelmente, apenas alguns líderes de países como Belarus e da Ásia Central, além de Cuba, estavam presentes.
A carta nuclear foi colocada pela primeira vez por Putin na mesa na época da invasão da Ucrânia, ocorrida logo depois de ele fazer um megaexercício com suas forças estratégicas. Ele disse que quem interferisse corria o risco de ver uma resposta sem igual na história.
Isso deteve o Ocidente de entrar no conflito diretamente, como admitiu diversas vezes o presidente americano, Joe Biden, e retardou o envio de armas mais sofisticadas para Kiev. Ele ocorreu de forma paulatina e inconstante, e até agora os ucranianos esperam caças americanos F-16.
Assim, a retórica nuclear russa tem um objetivo dissuasório, mas não são poucos analistas que temem que isso saia de controle. Outro temor frequente é o de que Putin lance mão de armas táticas no conflito, ainda que ele mesmo já tenha dito que isso seria inútil.
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