SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após semanas de protestos que resultaram em mais de 300 mortes, a primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou ao cargo nesta segunda-feira (5) e fugiu do país quando milhares de pessoas invadiram o Palácio de Ganabhaban, residência oficial do chefe de governo.
Assim, os protestos que começaram para derrubar um sistema de cotas em cargos públicos e se transformaram em um pedido pela saída da líder tiveram sua principal demanda atendida. O país, no entanto, continua mergulhado na incerteza.
O responsável por confirmar a renúncia foi o comandante do Exército de Bangladesh, Waker-Uz-Zaman, que afirmou ter consultado representantes de partidos políticos e sociedade civil e tomado uma decisão. “Vamos formar um governo provisório”, declarou o general em uma mensagem à nação exibida pela televisão estatal.
Ainda é incerto como a decisão vai impactar na violência que se viu nas ruas nas últimas semanas. A renúncia ocorreu após um dia sangrento no país asiático -somente neste domingo (4), 94 pessoas morreram, dia mais violento da jornada de protestos. O número é baseado em relatórios da polícia, autoridades e médicos dos hospitais que recebem as vítimas.
Nesta segunda, 56 pessoas morreram durante os distúrbios. Pelo menos 44 dos mortos foram levados para o Hospital Universitário de Daca, informou um correspondente da agência de notícias AFP, que relatou ainda ferimentos de bala nas vítimas. Segundo a polícia, mais 11 mortes aconteceram em outros locais da capital, Daca, e outra ocorreu na segunda maior cidade do país, Chittagong.
Apesar disso, o clima era de euforia nas ruas do país. Hasina ficou 15 anos no poder, durante os quais consolidou seu autoritarismo recompensando aliados com impunidade e reprimindo críticos com perseguição e prisão. Em janeiro, a política conquistou seu quarto mandato consecutivo em uma eleição boicotada pela oposição.
O sentimento de revanche nesta segunda foi visível pela agressividade do protesto no palácio. Monsur Ali, um trabalhador da indústria têxtil, disse que estava entre os milhares de pessoas que entraram na residência da primeira-ministra, muitas delas levando objetos consigo. Ele pegou um prato. “Fomos lá com raiva”, ele disse. “Não sobrou nada.”
No canal bengali Channel 24, foi possível ver uma multidão entrando na residência e cenas de pessoas pegando cadeiras, derrubando móveis e quebrando portas de vidro.
Antes da renúncia, neste domingo, um respeitado ex-chefe do Exército exigiu que o governo retirasse as tropas e permitisse os protestos. “Pedimos ao governo em exercício que retire imediatamente as Forças Armadas das ruas”, disse Ikbal Karim Bhuiyan em uma declaração conjunta com outros ex-membros de alto escalão, condenando “assassinatos atrozes, torturas, desaparecimentos e detenções em massa”.
No início desta segunda, já havia mobilização generalizada de policiais e soldados na capital, Daca, patrulhas rodoviárias e barricadas nas estradas de acesso ao gabinete da primeira-ministra.
Os protestos no mês passado começaram depois que grupos de estudantes exigiram o fim de um controverso sistema de cotas em cargos públicos.
Após as manifestações, a Suprema Corte do país determinou, no final de julho, que 93% dos empregos públicos de Bangladesh deveriam ser abertos a candidatos por mérito, 5% das vagas se destinariam às famílias dos combatentes, e os 2% restantes atenderiam pessoas com deficiência e outros grupos.
O recuo, porém, não foi suficiente para acalmar a população.
O número de mortos neste domingo, que inclui pelo menos 14 policiais, foi o mais alto em um único dia entre todos os protestos na história recente de Bangladesh, superando as 67 mortes relatadas em 19 de julho, quando estudantes saíram às ruas contra as cotas.
“O governo matou muitos estudantes. Chegou a hora da resposta final”, disse o coordenador do protesto, Asif Mahmud, em comunicado no Facebook na noite de domingo. “Todos virão para Dhaka, especialmente dos distritos vizinhos. Venham para Dhaka e tomem uma posição nas ruas.”