LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS0 – Cerca de 350 mil jovens entre 15 e 35 anos deixaram Portugal nos últimos 15 anos. Cidadãos europeus, eles foram em busca de melhores empregos e salários em países como Alemanha e França. Estancar o êxodo daquela que é considerada a geração portuguesa mais bem formada de todos os tempos é a prioridade do governo do primeiro-ministro Luís Montenegro, a julgar pela proposta de orçamento submetida à Assembleia da República nesta quinta-feira (10).
Para manter os jovens no país, o governo do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, decidiu estender consideravelmente os benefícios fiscais para jovens em início de carreira. Os descontos nos impostos podem durar até dez anos, não mais cinco anos, como no governo anterior do Partido Socialista. A idade limite foi estendida de 26 para 35 anos. E os benefícios hoje se aplicam a todos, não mais apenas aos que têm formação superior, como ocorria até então.
Trata-se de uma política fiscal com poucos paralelos no mundo, dada a sua agressividade, de acordo com o Financial Times. O jornal britânico pondera que as isenções não garantem a permanência dos jovens no país, uma vez que eles sofrem não apenas com os impostos altos, mas também com os salários baixos e os aluguéis em disparada. A proposta do governo prevê também benefícios para a compra do primeiro imóvel e outras medidas que afetam os jovens indiretamente, como menos impostos para pequenas e médias empresas.
O orçamento será discutido a partir de agora no Parlamento, que tem até o final do mês para aprová-lo ou rejeitá-lo. O cientista político António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa, opina que a proposta deve ser aprovada, com os votos do governo, claro, e do Partido Socialista. “Os socialistas criticaram a proposta por ela não diferenciar os jovens que ganham bem dos jovens que ganham mal. O governo decidiu então incluir uma alíquota progressiva.”
O consenso entre centro-direita e centro-esquerda é importante porque, caso o orçamento não passe, o governo pode cair. No regime português, é o primeiro-ministro quem governa, mas o presidente da República tem a prerrogativa de jogar a “bomba atômica”, ou seja, dissolver o Parlamento caso o orçamento “seja chumbado” -as duas expressões fazem parte do jargão político lusitano.
As conversas entre socialistas e sociais-democratas nem sempre são fáceis. Pedro Nuno Santos, líder da centro-esquerda, já disse que iria chumbar o orçamento se nele fosse incluída a privatização da companhia aérea TAP, uma velha bandeira da centro-direita.
Os sociais-democratas vivem um dilema. Eles comandam um Parlamento onde não têm maioria. Precisam, portanto, aliar-se aos socialistas ou ao Chega, a sigla de ultradireita que é a terceira maior na Casa. Na campanha eleitoral, Montenegro prometeu distanciar-se dos radicais -e vem mantendo a palavra até agora.
As tentações, no entanto, acontecem o tempo todo. Logo após as eleições de março, o líder do Chega, André Ventura, tentou fazer um acordo com os sociais-democratas em troca de cargos no governo. Foi rechaçado. Tentou de novo quando começaram as discussões do orçamento. Ouviu outro não. A cada vez que seu cortejo é rejeitado, Ventura sobe o tom contra o PSD, com quem disputa o eleitorado à direita do espectro político.
Trata-se de um dilema que se estende a toda a Europa. O Partido da Liberdade, que representa a ultradireita austríaca, venceu as eleições disputadas no último dia 29. Para barrar um governo radical, os partidos Popular, Social Democrata e Liberal costuram uma grande aliança para apoiar um nome moderado para primeiro-ministro.
Herbert Kickl, líder do Partido da Liberdade, contraria ponto por ponto a cartilha de Bruxelas. Ele é simpático a Vladimir Putin e se recusa a condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia. Alardeia que seu principal modelo é Viktor Orbán, o premiê que destruiu a democracia na Hungria ao aparelhar o Judiciário e inviabilizar a imprensa livre.
O húngaro, por sua vez, vive às turras com a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen. Kickl também quer fechar a Áustria aos pedidos de asilo político, o que contraria a nova política europeia de imigração.
Em Portugal, uma das principais bandeiras do Chega é também restringir a imigração. Socialistas e sociais-democratas estão de acordo sobre o fato de que, sem os imigrantes, o país não sobrevive. Com o êxodo dos jovens, o estado de bem-estar social português só se viabiliza devido aos impostos pagos por brasileiros, cabo-verdianos, angolanos, indianos e ucranianos, que formam algumas das principais comunidades de estrangeiros em Portugal.
“Se os socialistas rejeitarem este orçamento, que é bastante moderado e pragmático, eles parecerão irresponsáveis junto à opinião pública”, disse ao Financial Times a cientista política Marina Costa Lobo, diretora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Na prática, isso poderia levar o país à incerteza de uma nova eleição -ou a jogar a direita moderada nos braços radicais do Chega.