Ofensiva rebelde ameaça bases de Putin na Síria

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avanço de forças contrárias à ditadura de Bashar al-Assad no norte da Síria, uma ofensiva que descongelou a guerra civil na região, ameaça as duas principais instalações militares da Rússia no país árabe, a base aérea de Hmeimin e o porto de Tartus.

 

Analistas militares russos ouvidos pela reportagem dizem que o risco de o acesso às duas instalações ser cortado caso as forças do grupo radical islâmico HTS (Organização para a Libertação do Levante) consigam romper as linhas defensivas sírias e russas na região de Hama é real.

Nesta quarta (4), os rebeldes da HTS entraram novamente em duros choques com forças de Assad em torno da cidade, que é a linha de frente ao sul da surpreendente operação que tomou a segunda maior cidade síria, Aleppo (noroeste sírio).

Por ora, há muita confusão em campo, mas a escassez de estradas naquela região permite supor a criação de um cordão em trono das forças russas concentradas entre o deserto e o mar a oeste, em regiões como Latakia, o berço do poder do ditador Assad.

Em 2015, Putin veio em socorro ao aliado, cujo pai estabelecera uma parceria na Guerra Fria com a União Soviética que sobreviveu ao ocaso comunista. Com um forte componente aéreo e cerca de 5.000 homens, 2.000 deles mercenários do famoso Grupo Wagner, começou a operar em vários pontos da Síria.

A ação foi bem-sucedida, e em 2020 foi estabelecida uma relativa paz a partir de um acordo entre Moscou e a Turquia, que dividiram tarefas apesar de estarem em lados opostos no conflito iniciado em 2011 -Ancara apoia grupos seculares que operam junto com os radicais da HTS.

Até agora. Sem muita surpresa, a Rússia acusou nesta quarta (4) a Ucrânia de ter fornecido drones e treinamento para os rebeldes ora em marcha, sem apresentar provas. Kiev negou, mas não deve estar insatisfeita com os riscos apresentados a Putin no Oriente Médio.

Os russos têm, nas contas de uma organização de sírios exilados baseada em Istambul chamada Jusoor, 102 pontos de presença militar na Síria, 21 deles bases. É o terceiro maior contingente estrangeiro, atrás de Irã (529 pontos, 52 bases) e Turquia (126 pontos, 12 bases).

As joias da coroa são duas. Primeiro, Hmeimin, ampliada e fortificada ao longo dos anos, que já sediou bombardeiros estratégicos, caças, aviões de ataque, de espionagem e de apoio. Foi lá que Putin cantou prematuramente vitória no conflito em 2017.

Segundo, Tartus, que desde a Guerra Fria está nas mãos russas e também foi reformada por Putin. Ambas as instalações foram cedidas a Moscou até o meio do século.

O posicionamento de sistemas antiáereos avançados na região, além da frota de navios e aviões, permitiu à Rússia estabelecer uma cabeça de ponte no flanco oriental da Otan, sua rival existencial, no Mediterrâneo.

Isso importa ao Kremlin tanto quanto o ganho político de ser um ator no intrincado labirinto de lealdades da Síria.

Não é certo o quão degradada está a defesa russa na região. Um dos analistas ouvidos pela reportagem, as capacidades ainda são boas, mas foram reduzidas devido ao foco na invasão da Ucrânia, a partir de 2022.

Ainda assim, o Kremlin buscou fazer uma demonstração de força na terça (3), com duas fragatas e um submarino apoiados por Tartus fazendo um exercício de tiro com mísseis perto da costa síria. Foram empregados hipersônicos Tsirkon, únicos antinavio do gênero em operação, e a arma de cruzeiro Kalibr.

Além disso, foi lançado um míssil costeiro do sistema Bastion a partir de uma praia do país árabe, para reforçar a ideia de que as capacidades instaladas estão em ordem.

Resta combinar com a realidade. Enquanto a chancelaria russa repetia que a Síria não seria entregue a terroristas e o apoio a Assad seguia intacto, em Aleppo, marchava pela cidadela medieval da cidade o líder da HTS, Abu Mohammed al-Joulani, um egresso dos quadros da rede Al Qaeda. A retomada do local em 2016 havia sido um ponto alto da volta por cima de Assad no conflito.

As outras frentes da guerra que estava adormecida seguem agitadas, com relatos de combates entre forças de Damasco e rebeldes curdos em Deir al-Zor, a nordeste do país. Novamente, é uma confusão geopolítica: a Turquia está jogando por mais influência regional e apoia rebeldes, mas combate os curdos.

O Irã, por sua vez, também sofre com o enfraquecimento seu e do preposto Hezbollah, efeito colateral de um ano de guerra após o ataque do aliado Hamas a Israel no 7 de Outubro.

Assim, por ora Teerã parece contar com milícias apoiadas pela teocracia para ajudar Assad, algo bem menos substancial do que a ação coordenada com Putin a partir de 2015.