ISABELA ROCHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso do DIU (Dispositivo Intrauterino) aumentou entre as brasileiras nos últimos cinco anos. As colocações por plano de saúde subiram em 47% entre 2019 e 2023, de acordo com dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). No SUS (Sistema Único de Saúde), o número de inserções chegaram a 164,4 mil em 2023, um aumento de 43,6% em relação a 2022, diz o Ministério da Saúde.
Mesmo assim, médicos ouvidos pela Folha relatam hesitação sobre o método por parte de algumas pacientes que apontam o medo da dor como uma das principais causas. Já relatos por parte de mulheres que colocaram o dispositivo são mistos.
Nos Estados Unidos, vídeos de reações das pacientes durante o procedimento viralizaram nas redes sociais, muitos mostrando experiências dolorosas. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do país atualizou suas recomendações para médicos neste mês, mencionando o uso de anestesia local para amenizar a dor.
A influenciadora e biomédica esteta brasileira Camila Morikawa, 24, postou sua reação sobre a experiência. No vídeo, ela aparece chorando e relata que sua pressão caiu durante o procedimento. “Na hora que eu deitei na maca, minha perna tremia”, contou à Folha. “Foi muito triste, foi bem dolorido. Na hora que a médica colocou o pontinho de anestesia doeu um pouquinho a picadinha da agulha, mas na hora que ela introduziu o DIU, nossa senhora!” Mesmo assim, ela diz que recomendaria a colocação.
O choro foi também a reação da estudante Kemilly Kathleen de Oliveira, 20, que não sabia que o procedimento era doloroso, nem que havia opção de usar um anestésico. Ela diz que postou sobre a experiência nas redes sociais para ajudar outras meninas. “Desde que a médica começou a medir o útero, eu senti muita dor. Quando ela colocou o DIU, eu gritei tanto, doeu tanto, que o hospital todo me ouviu”, diz. “Recomendo que todas pesquisem a clínica onde vão colocar e escolham um médico que passe confiança.”
Já para a influenciadora Stephanie Sato, 25, o procedimento com anestesia local e um calmante foi tranquilo e a dor foi média. “Sabe aquela profissional que te deixa muito à vontade? Acho que isso foi o diferencial”, diz. “Minha experiência foi excelente, colocaria novamente. Mesmo que doa, vale a pena.”
A colocação DIU é considerada um procedimento invasivo por penetrar uma cavidade do organismo. Ela pode ser feita em consultório, com ou sem anestesia local, ou com sedação no hospital. O procedimento hospitalar é oferecido apenas na rede privada.
O dispositivo com o formato da letra T ou de ferradura é inserido dentro do útero e tem duração de cinco a dez anos, com uma eficácia de 98% a 99%. Na rede pública de saúde, é mais comum encontrar DIUs de cobre, ou cobre e prata. No privado, são comuns também os SIUs (sistemas intrauterinos), conhecidos como DIUs hormonais, Mirena e Kyleena.
A dor durante a inserção tende a ser tolerável, de acordo com um estudo de 2022 feito por pesquisadores da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Analisando as experiências de 139 mulheres com idade entre 14 e 47 anos na zona metropolitana de João Pessoa, 9,4% não relataram nenhuma expressão de dor e 31,7% uma dor intensa.
Numa escala de 0 a 10, o escore médio de dor foi 5,5 entre as pacientes menstruadas e 4,6 entre as não menstruadas. Mais de 20% das pacientes relataram sintomas de náusea, vômito, tontura, sudorese ou tremor durante a colocação.
No geral, mulheres que já passaram por dores intensas ou pariram três ou mais filhos tendem a relatar menos dor, diz a médica de família e comunidade Danyella da Silva Barrêto, coautora do estudo. Já mulheres que nunca tiveram filhos tendem a relatar dores mais intensas, e as com dismenorreia (dor forte que pode surgir antes ou durante a menstruação) tendem a sentir dor com mais frequência.
É possível que a experiência dos profissionais de saúde inserindo o dispositivo, assim como a presença de alguém que supervisione a inserção, torne o procedimento menos doloroso, diz a médica. Já um acompanhante durante o procedimento pode amenizar ou piorar a percepção de dor da paciente, dependendo do seu comportamento.
Um outro estudo de 2021 analisou a efetividade do analgésico cetorolaco de trometamol para amenizar a dor em 23 mulheres de 28 anos no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE). Não foram encontrados benefícios.
A maioria das pacientes do estudo relatou dor leve durante o procedimento. Esse resultado pode estar relacionado à habilidade de aplicação do profissional de saúde que fez as aplicações, o mesmo para todas as mulheres participantes, explica o médico generalista e residente de anestesia Emídio Dias, coautor da pesquisa.
“Ainda não existe evidência suficiente para dizer que o analgésico funciona, mas alguns estudos indicam que há uma diferença, só não tem importância estatística porque as amostras são pequenas”, diz Dias.
Experiente em aplicações na rede pública, Barrêto diz que os recursos são limitados, por isso só usa anestesia local para pacientes com tolerância menor à dor. As evidências indicam que cloridrato de lidocaína, injetado no colo do útero, não alivia por completo, mas ajuda, explica a médica.
Ela acha que uma sedação geral, a única maneira de bloquear por completo a dor, não é justificável para a rede pública, já que encarece o procedimento e aumenta o risco de infecção, além de dificultar o acesso da população ao procedimento. “Quando a gente começa a colocar muita coisa ao redor do DIU, como pedir muitos exames ou dizer que só pode colocar menstruada, dificulta o acesso.”
Em nota, a ANS diz que a colocação do DIU e SIU solicitada pelo médico tem cobertura obrigatória pelos planos de saúde, incluindo o uso de anestesia local ou sedação, se houver indicação do profissional. Em caso de dificuldades, a agência diz para o usuário procurar sua operadora e, se a questão não for resolvida, registrar uma reclamação.
Como amenizar a dor na colocação do DIU
O preparo psicológico e o acolhimento são indispensáveis para o procedimento, diz o professor de ginecologia e cirurgião Agostinho Machado, coautor do estudo do HC-UFPE. A paciente também precisa de espaço para externar suas dúvidas. “Existem técnicas para oferecer uma inserção que seja confortável, bem aceita e prática no ambulatório. De maneira muito humana, muito empática, a gente recebe, conversa, brinca e pede uma vocalização”, diz o médico, explicando que pede para as pacientes “cantarem” no momento da inserção.
Dias completa: “A dor é uma experiência muito sensorial. Quando a paciente está tensa e atenta ao estímulo, com certeza piora bastante a experiência dela”.
Quanto mais informada sobre o procedimento estiver, menos pior é a experiência, diz Barrêto, da UFPB, que chama a conversa com as pacientes de “anestesia verbal”. “É importante tirar todas as dúvidas, esclarecer o que é real ou não, explicar que será doloroso sim, dizer que podemos parar o procedimento em qualquer fase”, esclarece.
O Ministério da Saúde afirma que o procedimento de inserção ou retirada do dispositivo pode ser realizado em Unidades Básicas de Saúde ou na atenção especializada, como ambulatórios, policlínicas e em hospitais.
A pasta diz que, para ampliar o acesso à contracepção de longa ação, tem promovido estratégias para desmistificar o uso do DIU e qualificar profissionais do SUS. “Desde 2023, foram formados mais de 5.000 profissionais do Mais Médicos e inaugurados dez Centros de Referência em cinco estados, em parceria com a UNFPA/ONU”, afirma.
“A anestesia local do colo do útero é recomendada, mas sua ausência não deve impedir o acesso ao DIU. É fundamental que a paciente participe dessa decisão e, caso opte por anestesia, seja encaminhado adequadamente. Não há exigência de assinatura de formulário referente a anestesia.”
O ministério informa ainda que as pacientes assinam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Nota Técnica 31/2023) em que afirmam que a inserção é por livre e espontânea vontade, e ciência de que podem desistir a qualquer momento, entre outras orientações sobre o funcionamento do dispositivo.