BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Enquanto a inadimplência ficou relativamente estável no Brasil de maio de 2023 a março deste ano, o índice que considera dívidas em atraso por mais de 90 dias caiu 8,7% nesse período entre pessoas de renda mais baixa favorecidas pelo programa Desenrola Brasil.
Na outra ponta, a inadimplência cresceu 6,8% no mesmo intervalo entre aqueles que não se encaixam no público-alvo da iniciativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os dados fazem parte de um estudo da Serasa, que integra o balanço final feito pelo Ministério da Fazenda sobre o programa.
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, afirma à Folha de S.Paulo que o levantamento reflete na prática o efeito da iniciativa sobre a situação de endividamento da população.
Promessa de campanha do presidente Lula, o Desenrola terminou nesta segunda-feira (20). Ao todo, foram renegociados R$ 53,07 bilhões em dívidas de pessoas físicas e 15,06 milhões de pessoas foram beneficiadas, segundo dados compilados pela pasta.
“É um tremendo sucesso ter negociado um montante que equivale a cerca de 0,5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Não é uma renegociação que se faz no atacado, se faz no varejo. Então, atingir 15 milhões de pessoas nesse período é uma grande vitória”, afirma Pinto.
O número total de favorecidos, entretanto, ficou aquém do potencial do programa. Quando a iniciativa foi anunciada, em julho do ano passado, o governo dizia ter como público-alvo 70 milhões de brasileiros negativados e projetava ajudar até 30 milhões de pessoas.
“A gente nunca esperou que o programa fosse resolver o problema de 70 milhões de brasileiros, a gente nem tinha recursos para isso. O que a gente tentou foi aliviar o problema por meio do programa. A gente não esperava atingir R$ 50 bilhões e ultrapassou esse número. Nossa expectativa para o número de pessoas estava abaixo de 10 milhões. O programa ultrapassou todas as nossas expectativas”, diz o secretário.
Na faixa 1, correspondente a cidadãos com renda bruta mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.640) ou inscritos no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo), foram R$ 25,57 bilhões em volume financeiro negociados e 5,06 milhões de pessoas favorecidas.
Do total de negociações feitas pelo grupo de renda mais baixa, 15,2% dos valores foram quitados à vista, enquanto 84,8% foram parcelados. Já no recorte por contratos, 57,5% foram pagos à vista e 42,5%, refinanciados.
De acordo com Pinto, houve mais negociações à vista do que o esperado pela equipe econômica. “Como os descontos foram grandes, as renegociações à vista, em geral, ficaram com valores pequenos. Por exemplo, uma dívida de R$ 1.000 baixou para R$ 150, as pessoas pagaram à vista essa dívida pequena e parcelaram as dívidas maiores”, diz.
Os dados da Fazenda mostram também que o juro médio das operações ficou em 1,82% ao mês (o limite era de 1,99% ao mês), e os novos financiamentos, que podiam ser parcelados em até 60 meses, foram divididos em 13 parcelas, em média.
Nas operações à vista, o ticket médio foi de R$ 248, com desconto médio de 90,2%. Já nas transações parceladas, o ticket médio ficou em R$ 1.030, com desconto médio de 84,7%.
Ainda de acordo com o balanço da pasta, o maior desconto aplicado foi de 98,6%. Com isso, uma dívida de R$ 835,02 foi reduzida a R$ 10,91.
Na faixa 2 -grupo com renda entre R$ 2.640 e R$ 20 mil-, foram 3 milhões de pessoas beneficiadas, com a negociação de R$ 26,5 bilhões em dívidas nos bancos.
Além disso, 7 milhões de pessoas que tinham dívidas de até R$ 100 tiveram a retirada automática do cadastro de inadimplentes, ou seja, ficaram com o “nome limpo”. As dívidas somavam cerca de R$ 1 bilhão.
O programa terminou sob alerta de especialistas com relação a novos endividamentos dos consumidores que tiveram o poder de compra reativado.
O secretário da Fazenda enfatiza que o Desenrola era um programa conjuntural para lidar com uma situação exacerbada puxada pela crise decorrente da pandemia de Covid. Ele defende agora a necessidade de “atacar” o problema de forma estrutural, reduzindo as “altíssimas taxas de juros” e o custo de crédito no país.
“O spread bancário [diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar aos clientes e a taxa que ele paga para captar o recurso] no Brasil, na média, é de 20 pontos percentuais. Isso é muito. A média mundial é de 6 pontos percentuais. Estão nessa média países similares ao Brasil, como o México”, diz Pinto, em defesa da agenda proposta pela equipe econômica em tramitação no Congresso Nacional.
Para além dessas medidas, acrescenta, que podem aumentar a competição no sistema bancário e melhorar as formas de recuperação de crédito, Pinto defende investir em uma agenda de informação e conscientização dos consumidores de produtos financeiros.
Como exemplo, ele cita a falta de transparência nas taxas de juros aplicadas nos cartões de crédito, as modificações feitas nessas taxas pelas instituições financeiras sem conhecimento do consumidor e a liberação de crédito sem uma análise mais criteriosa sobre a capacidade de endividamento do tomador.
“Informações sobre taxas de juros, pagamentos mínimos e o impacto que isso pode ter na vida da pessoa não são corretamente informados para o consumidor. A gente precisa evoluir nessa agenda”, diz.
“Isso é um trabalho de educação. As pessoas precisam entender quanto uma taxa de juros de cartão de crédito, por exemplo, a 400% ao ano é mortal para as finanças pessoais. Além disso, a gente precisa que essa informação chegue ao consumidor. Hoje ela não chega”, acrescenta.
Nesse sentido, o secretário da Fazenda defende um trabalho conjunto com os reguladores setoriais -Banco Central e Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), que integra o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“Ambos os órgãos precisam atuar e nós, do Ministério da Fazenda, queremos participar do diálogo para aumentar a conscientização do consumidor e melhorar a qualidade da informação que ele tem para tomar esse tipo de decisão sobre endividamento”, afirma.
A medida provisória que trata do Desenrola foi prorrogada por mais 60 dias, conforme publicação no DOU (Diário Oficial da União) desta terça-feira (21). Segundo a Fazenda, a ampliação não alterou a data de encerramento do programa, que foi fixada em lei.
RANKING DOS SETORES COM MAIS RENEGOCIAÇÕES (EM VALORES)
1º Serviços financeiros: R$ 11 bilhões
2º Securitizadoras: R$ 1,6 bilhão
3º Comércio: R$ 1 bilhão
4º Conta de luz: R$ 501,2 milhões
5º Demais setores (construtoras, locadora de veículos, cooperativas): R$ 136,4 milhões
6º Educação: R$ 132,9 milhões
7º Conta de telefone/internet: R$ 98,6 milhões
8º Conta de água: R$ 24,6 milhões