BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Foram quase 1.500 focos de incêndio, articulados por WhatsApp, antecipados em um jornal local e alertados pelas autoridades, no que foi chamado de dia do fogo, em 2019, no Pará.
Informações de satélite, da PF (Polícia Federal) e do Greenpeace mostram, porém, que desde então não houve qualquer responsabilização por um dos casos mais graves de queimadas propositais da amazônia.
Além da impunidade, o cenário é de milhões de reais em multas não pagas, reincidência de registros de fogo nas propriedades rurais envolvidas -cujos donos ainda acessaram linhas de crédito especiais para o agronegócio.
O dia do fogo foi usado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como comparação ao que aconteceu no estado de São Paulo em agosto deste ano.
Marina e outras autoridades alertaram para o fato de que, no caso paulista, dezenas de incêndios começaram no mesmo dia e com uma diferença pequena de horário.
O governo Tarcísio calcula o prejuízo em mais de R$ 1 bilhão. Segundo os investigadores, ainda não há prova de ação orquestrada ou que alguma facção criminosa, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), esteja por trás.
A diferença, porém, é que neste ano já houve ao menos dez prisões.
Em 2019, cinco dias antes do começo dos incêndios, o jornalista Adécio Piran noticiou, no jornal Folha do Progresso, que produtores rurais, simpáticos e “amparados pelas palavras” do então presidente Jair Bolsonaro (PL) pretendiam queimar a floresta para o agronegócio avançar.
Segundo a BBC Brasil, o MPF (Ministério Público Federal) do Pará alertou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pediu reforço na fiscalização antes da tragédia.
Mesmo assim, nos dias 10 e 11 de agosto de 2019, o Pará registrou quase 2.000% mais focos de calor que no mesmo intervalo do ano anterior, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e metade destes se concentrou em municípios nos arredores da BR-163.
Um deles foi Novo Progresso, onde trabalhava Piran, que teve que deixar a cidade após a publicação, em razão das ameaças recebeu.
“A principal hipótese investigada apontava para a participação de um grupo composto por sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros, que teriam agido de forma coordenada”, afirmou a Polícia Federal.
Quatro inquéritos foram instaurados, mas apenas um levou a alguma operação de busca e apreensão. Não houve nenhum indiciamento ou prisão, e todos os processos foram arquivados.
“As investigações não lograram êxito em obter elementos de convicção para a propositura de denúncia”, disse o MPF à BBC Brasil.
Nas 478 propriedades que registraram fogo naquele dia, a ONG Greenpeace identificou 662 multas aplicadas pelo Ibama –não restritas ao “dia do fogo”-, somando um valor superior a R$ 1,2 bilhão. Menos de R$ 50 milhões foram pagos até hoje.
A organização aponta ainda que, além da impunidade, também houve reincidência de queimadas nestas áreas.
Foram 2.188 focos de calor registrados nestas propriedades durante o ano de 2019, número que se manteve praticamente inalterado (2.179) em 2020.
A quantidade cai para 1.250 em 2021, depois sobe para mais 1.868 no último ano do governo Bolsonaro, e desce a 1.115 no primeiro da gestão Lula (PT).
O laboratório Lasa, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mostra que em 2019 estas áreas tiveram 220 mil hectares de queimadas. Depois, foram 275 mil ha em 2020, 144 mil ha em 2021 e 254 mil ha em 2022.
Destes 478 imóveis rurais, 29 foram contemplados por um total de R$ 201,4 milhões em crédito rural, de acordo com levantamento do Greenpeace.
“No Sudeste, houve algumas prisões, mas historicamente a amazônia queima porque o fogo é uma prática associada ao desmatamento, tem áreas de queima para renovação de pastagem e tem fogo para abrir novas áreas de de desmatamento”, afirma Thais Bannwart, porta-voz da ONG.
“Enquanto não houver responsabilização, o cenário vai continuar. O uso do fogo se consolidou como uma estratégia eficaz para quem comete um crime ambiental e não quer ser punido”, completa.