LUCIANO TRINDADE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dia após a seleção brasileira ter vivenciado o maior vexame de sua história, o técnico Luiz Felipe Scolari afirmou que não sabia explicar a derrota por 7 a 1 para Alemanha, nas semifinais da Copa do Mundo de 2014.
Ao convocar a imprensa para dar explicações, apresentou como principal argumento que o time sofreu um “apagão” de cerca de seis minutos, período no qual o rival europeu marcou quatro gols. Munido de uma série de estatísticas do jogo e até de partidas anteriores ao Mundial, realizado no Brasil, tentou defender seu trabalho, dizendo que “não foi todo ruim”.
Era difícil, no entanto, argumentar diante do placar hediondo, do massacre sofrido dentro de casa.
Daquele momento para a frente, veio à tona uma série de questionamentos. A respeito dos métodos de Felipão, que contava 65 anos, e também sobre os de outros treinadores de sua geração, que passaram a ser frequentemente chamados de ultrapassados.
“Aquele resultado foi realmente um marco divisório no futebol brasileiro, porque a partir dali achou-se que tudo o que se fazia aqui não prestava, esqueceram que aquele futebol já havia ganhado cinco Copas”, disse à Folha Geninho, 76, técnico contemporâneo de Felipão, 75, com passagens por Corinthians, Santos, Atlético-MG e Vasco, entre outros clubes do país e do exterior.
Dez anos após o vexame no dia 8 de julho no Mineirão, os reflexos desse processo ainda são visíveis. Primeiro, houve uma onda de apostas em jovens treinadores, muitos deles fabricados dentro dos próprios times. Em seguida, a solução foi buscar profissionais no exterior.
A primeira moda ganhou força pelo sucesso de Fábio Carille, 50, em seu início de carreira no Corinthians. Com ele veio a leva dos “jovens, modernos e estudiosos”, embora o técnico, que hoje tenha 50 anos, seja mais conhecido por montar boas e conservadoras defesas do que por adotar um jogo que se encaixa no que atualmente é chamado de “moderno”.
Enquanto ele vencia, isso não era um problema. Pelo time paulista, foi campeão brasileiro em 2017 e tricampeão paulista (2017, 2018 e 2019). O sucesso fez outros clubes apostarem na receita, abrindo portas a outros novatos.
Despontaram nessa época nomes como Jair Ventura, 45, Zé Ricardo, 53, Roger Machado, 49, Thiago Larghi, 43, Rogério Ceni, 51, Mauricio Barbieri, 42, Tiago Nunes, 44, Osmar Loss, 49, Odair Hellmann, 47, e Fernando Diniz, 50, que tiveram em suas mãos logo no início de carreira a chance de comandar times grandes.
Todos ainda estão na ativa. Alguns, como Ceni, Nunes e Diniz, conquistaram títulos importantes, porém, de maneira mais ampla, não houve a revolução que se imaginava. Para Geninho, muito em parte pela tentativa de reproduzir o jeito de se jogar na Europa. Algo que ele vê até mesmo na seleção brasileira.
“O Brasil parou de ganhar título a partir do momento em que passou a copiar o que se faz lá fora e deixou de fazer aquilo que o europeu temia muito, que era a individualidade, que era o mano a mano. Isso trouxe um prejuízo técnico muito grande”, afirmou.
“Veio uma nova geração calcada nisso, no tipo de trabalho que se fazia lá fora, nos treinamentos com campo reduzido, de posse de bola, de saída mais lenta. Nós paramos de ter o drible, o jogo lateral, os meias chegando à área. Futebol hoje é resolvido numa bola parada”, acrescentou o treinador.
Os jovens, apesar de alguns bons resultados, não promoveram a mudança que se esperava. E o que até então era exceção se tornou muito recorrente: a contratação de comandantes estrangeiros. Nesse caso, o impulso para a onda crescer foi o sucesso de Jorge Jesus, que hoje tem 69 anos, no Flamengo.
O português teve o mérito de adaptar as ideias originárias da Europa ao estilo dos atletas brasileiros. A fórmula resultou na quebra de uma espécie de dogma, o de que uma equipe não conseguiria brigar em condições iguais no Campeonato Brasileiro e na Copa Libertadores. Em 2019, o time rubro-negro levou os dois troféus.
Jesus abriu a porta especialmente para outros portugueses. A maioria não teve o mesmo sucesso, mas Abel Ferreira, hoje com 45 anos, chegou ao Palmeiras e conseguiu até superar o compatriota. Com dez títulos desde 2020, tornou-se o treinador mais vencedor da história do clube alviverde.
Apesar das tentativas que não deram certo, buscar um profissional do exterior continua sendo a primeira opção dos dirigentes. No Campeonato Brasileiro de 2023, por exemplo, pela primeira vez na história, havia mais técnicos estrangeiros do que brasileiros durante um período longo da competição, que se estendeu até o fim do primeiro turno, quando 65% dos profissionais -13 dos 20- não eram nascidos no Brasil.
“O Brasil tem uma tendência de apostar na moda e na repercussão. O Brasil não contrata técnico por ideia”, afirmou o jornalista Paulo Vinicius Coelho. “Tem uma legião de técnicos [estrangeiros] que não deram certo”, acrescentou PVC, lembrando que o recurso não chega a ser uma novidade: “O Brasil tem técnicos estrangeiros no futebol brasileiro desde a década de 1910 e por todas as décadas até hoje”.
De qualquer maneira, começou a ganhar força nos últimos anos uma possibilidade que antes parecia distante: a contratação de um técnico de fora para comandar a seleção brasileira. Em dezembro de 2022, logo depois de mais um fracasso na Copa do Mundo no Qatar, pesquisa Datafolha havia identificado uma queda na rejeição a ideia de um estrangeiro dirigindo o Brasil.
Eram 41% os favoráveis à contratação de um técnico de fora. Manifestaram-se de maneira contrária 48%. Outros 6% eram indiferentes a respeito da questão, e 5% não souberam responder. Levantamento feito em julho do mesmo havia capturado um cenário bem diferente, com 30% a favor e 55% contra. Nas duas pesquisas, a margem de erro era de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Na prática, a rejeição seria menor com um grande nome do futebol internacional. O espanhol Pep Guardiola, 53, sempre foi um sonho da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), mas a entidade avançou mesmo em uma negociação com o italiano Carlo Ancelotti, 65, também prestigiado. Ou disse que avançou.
Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, estava tão confiante na contratação que dava como certa a chegada do técnico do Real Madrid. A ponto de contratar Fernando Diniz, então no Fluminense, como interino para esperar quase um ano pelo encerramento do vínculo de Ancelotti com o time espanhol. Mas, no fim, foi o Real que assinou um novo contrato com seu comandante.
Diniz, que de interino passou a ser tratado como efetivo, acabou caindo depois da péssima sequência de resultados do Brasil nas Eliminatórias. Para seu lugar, a CBF desistiu de um estrangeiro e tirou Dorival Júnior, 62, do São Paulo.
É Dorival no momento quem tem a responsabilidade de resgatar a identidade do futebol brasileiro, perdida desde a conquista de sua última Copa do Mundo, em 2002, um fato que Felipão sempre gosta de lembrar que ocorreu sob seu comando, como fez em uma recente entrevista ao site Chuteira.FC.
“O mínimo que eu posso dizer aos que querem me culpar é que, se sou o culpado pela derrota de 2014, então sou o único responsável pela vitória de 2002. Eu pergunto: quem é o último campeão do mundo com o Brasil? Sou eu. Então, se perdi sozinho a Copa de 2014, ganhei sozinho a Copa de 2002”, declarou.
Felipão pode dizer também que teve triunfos relevantes após o 7 a 1, algo que outros ilustres membros da velha guarda, como Vanderlei Luxemburgo, 72, não alcançaram. Após o adeus à seleção, ele teve uma passagem pelo futebol chinês, onde conquistou sete troféus, e voltou a comandar equipes brasileiras de ponta, como Grêmio, Palmeiras -pelo qual ganhou o Brasileiro de 2018- e Cruzeiro.
Seu trabalho mais recente foi no Atlético Mineiro, de onde acabou desligado em março deste ano após um início de temporada abaixo do esperado.