‘O barquinho’ conta a história de quando Roberto ficou à deriva no mar, ao lado de amigos, até ser resgatado por um barco baiano. Menescal também completa 70 anos de carreira em 2024. Roberto Menescal
Quinho Mibachi / Divulgação
“Tudo isso é paz, tudo isso traz uma calma de verão e então o barquinho vai, a tardinha cai, o barquinho vai”. A canção “O barquinho”, lançada por Roberto Menescal em 1961, se tornou o maior sucesso da carreira do artista e foi inspirada em uma aventura vivida em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos do Rio.
O artista, que completa 87 anos nesta sexta-feira (25), compartilhou com o g1 a história dessa composição e a relação que possui com Cabo Frio e Arraial. Roberto Menescal também comemora 70 anos de carreira em 2024.
“O Barquinho é a minha música mais conhecida. Ela tá perto de 3 mil regravações diferentes, pelo Brasil e pelo mundo”, conta o artista.
Natural de Vitória, no Espírito Santo, Roberto Menescal costumava ir à Região dos Lagos do Rio para pescar, e uma dessas visitas inspirou o nascimento de “O Barquinho”.
Roberto Menescal começou a visitar a Região dos Lagos por causa da sua paixão pelo mergulho. Em uma das pescarias, chegou a pescar um mero de 284 quilos, um recorde mundial na época
Arquivo pessoal
A música não teve um processo de escrita, como contou ao g1. A viagem na mente de Menescal começou enquanto ele brincava com o motor do barco, que não estava pegando. Só no dia seguinte, ele transformou o ocorrido em uma música ao lado de Ronaldo Bôscoli.
“Eu fiquei rodando a manivela e fiquei cantando uma coisa que eu nem me lembrava direito, mas fiquei : ‘taca taca taca’, morria o motor, ‘Taca taca taca’. A gente foi assim. A embarcação que deu carona pra gente, jogou uma corda e rebocou a gente. Eu fui fazendo ‘taca taca taca o barquinho vai, a tardinha cai'”, lembra.
Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli
Acervo Roberto Menescal
Tudo isso aconteceu durante um passeio com os amigos em Arraial do Cabo. Eles pararam para mergulhar e na hora de ir embora, o barco não pegou.
Roberto costumava ir pescar em Arraial, quando a região ainda pertencia à cidade de Cabo Frio, mas sem levar os parceiros da música. Mas a mulher dele, Yara Menescal; Nara Leão e Ronaldo Bôscoli puderam, em um belo dia de 1961, conhecer pessoalmente as belezas que, até então, só admiravam pelas fotografias mostradas por Menescal. E foi nesse dia que o barco resolveu fazer a pausa que serviu de inspiração para o autor e compositor.
Ele relembra que o grupo foi até a saída do Boqueirão – uma passagem que fica entre a ilha e o continente – e que, dali em diante, via a Ilha dos Franceses à direita e a Ilha do Cabo toda à esquerda.
“Para mim, ali é a melhor paisagem do Brasil, a Ilha do Cabo por fora. Levei, mergulhamos perto do farol. Por volta de 14h ou 15h, fomos tomar o lanche, aí deixamos o barco ir. Porque Cabo Frio é aquele vento leste o tempo todo”.
Mas a maior aventura ainda estava por vir.
“Quando desliguei o barco, deixei ele ali. Depois, a gente ligou novamente e o barco foi indo. Foi engraçado que todo mundo começou a comer e eu disse que não ia ter piquenique. Ao voltar, era umas 16h30, fui ligar o barco e o barco não ligou. Nisso, cinco horas, cinco e meia, a bateria tinha acabado, mas ainda tinha a última coisa que era a manivela, que podia fazer o barco pegar, mas não pegou…
…Até que às seis horas, veio um barco da Bahia e a gente botou a nossa roupa no remo, fazendo sinal pra eles. Eles foram muito legais, deram carona pra gente. Amarraram o barco deles no nosso e foi assim. Nasceu ‘O Barquinho’, que tá viajando até hoje por aí”, diz Roberto Menescal.
Só no dia seguinte que Ronaldo Bôscoli perguntou o que ele estava cantarolando enquanto mexia na manivela.
“Eu me lembrava que cantarolava alguma coisa para deixá-los menos aflitos. Eu só me lembro quando a gente fez o ‘barquinho vai’, aí ele falou assim: ‘por que a gente não faz uma brincadeira e faz uma música dessa situação, mas sem falar da situação? Falando do dia maravilhoso que foi e da nossa volta para casa?’ “, lembra.
Depois, a composição ganhou as vozes de diversos artistas, entre eles Nara Leão, que também vivenciou aquele dia tão especialmente feliz, tenso e inusitado.
Depois de criar “O Barquinho”, Roberto conta ter voltado a Arraial do Cabo umas três vezes, já que também tem o hobbie de catar bromélias, tendo encontrado várias na cidade.
“Não tinha ideia de que o barquinho ia fazer esse sucesso. Mas não tenho mais vontade de voltar, tudo que eu vivi está na minha cabeça e por isso não frequento mais”, diz.
Outras inspirações
Outras músicas de Roberto também foram inspiradas em experiências vividas em Arraial do Cabo. Uma delas, também em parceria com o Ronaldo Bôscoli: “A morte de um Deus de Sal”.
“Fiz uma música na praia dos Anjos, porque morreu um pescador que levava a gente para pescar, e fiz a música. Eu fiquei no desespero, era um cara gente boa, e o meu parceiro Ronaldo falou que tínhamos que fazer uma música para ele”, lembra.
A canção “Nós e o Mar” também foi inspirada na região.
Roberto Menescal explicou que, antes de começar a carreira artística, estava dividido entre o mergulho e a música, por isso juntava as duas paixões. Foi por causa do amor pelo mergulho que começou a visitar a Região dos Lagos. Sobre as músicas que nasceram de seus passeios, considera muito importantes, já que trazem à memória tudo o que ele vivenciou: “Eu curti aquilo”.
“Passei grandes anos, grande temporada em Arraial e Cabo Frio, mas em Arraial era um refúgio para mim espetacular, tenho muita saudade desse tempo”, conta.
Roberto Menescal completa 70 anos de carreira em 2024
Sesc Sorocaba/Divulgação
70 anos de carreira
Roberto também celebra 70 anos de carreira em 2024. Ele fala sobre o tempo que passou e o sentimento de ter feito o que precisava em cada fase da vida.
“Esses anos vão passando naturalmente, sabe? E quantos anos eu… não, eu não quero saber! Eu sempre falo o negócio: quando as pessoas normalmente me entrevistam e perguntam, falam assim: ‘poxa Roberto, imagina como foi bom aquele tempo, poxa, imagina a saudade que você deve ter daquele tempo’… e eu disfarço um pouco, mas, na verdade, eu não tenho saudade daquele tempo, aquele tempo foi muito bom. Muito bom para mim, muito bom, mas já fiz, já fiz, não deixei de fazer nada, entendeu?”, diz.
Roberto diz ter saudades é do futuro, pois quer saber o que está vindo de novo. “A inteligência artificial, o que vai mudar? Então, sabe, eu me levo, foi bom, claro que foi bom, mas sem ficar com saudades do passado, tá?”, conclui.